Cap. I - Redenção

Julian caminhava sob a luz do luar, pelas ruas escuras de uma cidade suja. Caminhava pelos becos imundos e nojentos. Habitat da escória da humanidade. Mendigos e viciados amontoados uns sobre os outros como grandes pilhas de lixo humano. Estavam adormecidos, desmaiados, semimortos, mortos talvez.
Ele estava faminto. Buscava por alimento. Mas com certeza, esse cardápio que a noite lhe oferecia estava longe de ser o banquete que saciaria sua fome. Julian nunca mordera um homem em sua longa existência. Sujos e drogados então... Não passam de alimentos de ratos.
 Ele desiste dos becos. Preferia alimento fresco e limpo. Caminhou sorrateiramente pelas ruas vazias, se esgueirando próximo as paredes das casas, tentando inutilmente ouvir um sinal de pessoas acordadas. Todas as casas estavam silenciosas. Luzes apagadas. Todos os moradores daquela maldita cidade dormiam. Apenas os gatos e cachorros faziam companhia ao belo caçador noturno, companheiros que fugiam com a aproximação do rapaz, os animais enxergam nossa alma e apesar de Julian ser um belo rapaz de longos cabelos e olhos negros, alto e elegantemente vestido em tons de preto e roxo, tudo que os animais enxergavam é o ser mais monstruoso de todos os demônios do inferno.
 Julian estava cada vez mais irado. Em seus 238 anos de vida ou semi-vida, nunca teve tanto trabalho em se alimentar como está tendo nos dias de hoje. O sangue dos jovens estão cada vez mais carregados de químicas, misturas de todos os tipos e nomes, desde bebidas às drogas; cocaína, heroína, êxtase, LSD, craque... Maldito craque, esse sim é o pior dos vampiros, suga todo o sangue e força de suas vítimas os transformando em verdadeiros escravos, e, o craque nem tem o trabalho de procurar por suas vítimas, são elas que o procuram. Se auto-escravizando.
 Cansado de caminhar acompanhado apenas pelos olhos amedrontados dos animais e sua própria sombra criada pelas luzes amarelas dos postes. Faltando pouco para que o sol renascesse expulsando a noite. Ele precisava se retirar, mas ainda estava faminto. Decidiu fazer o caminho de volta para o seu velho casarão refazendo o trajeto pelos becos. Pode ser que tenha deixado passar algo despercebido. Talvez algum daqueles mendigos fosse uma mulher bonita e não estivesse tão suja... Talvez um daqueles viciados desmaiados fosse apenas uma bela jovem adormecida sob a luz das estrelas, sem nenhuma gota de química em seu sangue... Talvez.
 Mas passo a passo ele vai confirmando o que já sabia. Tudo naqueles becos que lhe lembrava de longe ser um mortal eram as pilhas de mendigos e viciados. Amontoados, fétidos.
 - Aqui é o lixo do inferno, nesses becos está toda a escória do mundo que nem mesmo o diabo quer! - ele resmunga para si mesmo.
 Tudo levava a crer que Julian retornaria para seu repouso diurno ainda faminto, quando de repente ele ouve gritos femininos vindo do fundo de um dos becos. Um canto sem saída que ele nem se preocupou em olhar antes. Mas os gritos lhe despertaram a fome e a curiosidade.
 A passos largos o vampiro caminhou em direção aos gritos. Entrou no beco sem saída aparentemente vazio. Seguiu até o fundo, parando em frente ao que parecia ser uma garagem abandonada. As porta de metal enferrujado fora arrombada. Dentro se encontravam quatro homens. Um deles segurando uma jovem pelas costas enquanto os outros três estavam em pé de frente a ela e de costas à Julian. Nem notaram a presença do mórbido rapaz parado os observando. Os cinco estavam tão sujos que Julian não soube distinguir se eram da turma dos mendigos ou dos viciados. Pareciam mais uma fusão dos dois tipos de lixo.
 A garota era um trapo humano, imunda da cabeça aos pés, mas por traz de toda essa casca nojenta tinha uma mulher e ele idolatrava as mulheres. Não poderia simplesmente ir embora e deixá-la ali à mercê daqueles quatro brutamontes.
 O maior dos três que parecia ser o chefe deles tentou beijá-la à força, e a garota lhe responde com uma bela mordida nos lábios. O grandalhão a esbofeteou no rosto ordenando que os outros dois abrissem suas pernas e levantassem seu vestido.
 - Talvez se você tentasse o beijo sem a ajuda de seus namorados conseguiria um melhor resultado. - Julian diz chamando a atenção dos homens para si.
 - De onde esse fantasma saiu?- o que esbofeteou a moça perguntou com sarcasmo aos outros três, fazendo-os cair em gargalhadas.
 - Você está precisando tomar um pouco de sol rapaz, está pálido, parece que saiu de um barril de leite. - novamente soltam gargalhadas.
 Julian apenas fitou-os, pressentindo que a noite acabaria com uma dose de diversão. Diversão para ele é claro. Já derramou tanto sangue em sua existência, apenas pelo prazer de ver um pedido de misericórdia nos olhos de suas vítimas. Causara a maior carnificina da história dos vampiros, esquartejando em uma só noite todos os homens de uma das cidadezinhas que tiveram o desprazer de tê-lo como morador, só para ter todas as mulheres indefesas e de bandeja para ele se divertir, deixando ao final de sua estadia nessa cidade apenas as crianças e idosos vivos, já que Julian era um monstro, mas tinha uma ética, seguia rigorosamente três regras básicas criadas por ele mesmo: não morder homens; não matar ou morder crianças; e não criar vampiros (Julian dizia que dava á suas vítimas o direito que lhe foi roubado, o direito de morrer, mas na verdade ele sabia que criando vampiros, estaria criando possíveis Judas Iscariotes); sendo assim todas as mulheres se juntaram a seus maridos e irmãos após terem suas jugulares degustadas pelo soturno Julian Delacroix.
 Esses quatro idiotas seriam apenas mais uma gostosa brincadeira, ele não tinha nenhuma intenção de provar do sangue dessa jovem...
O brutamonte continua falando:
 - Vai embora rapaz, suma da minha frente antes que resolvamos usufruir de seu corpo esquelético também.
 - Eu vou, mas ela vem comigo.
 - Claro, se você conseguir tirá-la de nós, será toda sua.
 O que segura a jovem a joga em um canto de encontro a parede e os quatros caminham em direção a Julian, um deles pegou um pé de cabra que estava no chão, provavelmente usado no arrombamento da porta. O maior deles esbofeteou o rosto de Julian com toda a força de seus braços. O rapaz apenas virou o rosto com o impacto, fechando os olhos por poucos segundos, e em seguida volta a olhar para os quatro em sua frente. Seus olhos mudaram, tornaram-se inteiramente negros, perversos, medonhos...
 - Mortal idiota! - Julian exclamou enquanto com um simples tapa com as costas da mão arrancou a cabeça do sujeito que lhe esbofeteou o rosto. Seu sangue jorrou como um chafariz cobrindo a todos ali de vermelho vida. O que segurava o pé de cabra tentou atingi-lo com o instrumento, e teve seu braço segurado e posteriormente separado de seu corpo com um leve puxão. Julian usou o braço arrancado para atingir o dono do membro com o pé de cabra que a mão decapitada ainda segurava. Sua mandíbula partiu-se ao meio, seus dentes voaram para todos os lados. Com outro golpe certeiro do pé de cabra, Julian abriu a cabeça deste moribundo deixando seus miolos à mostra e aliviando sua dor. O terceiro tentou fugir e foi impedido pela mão do vampiro em seu pescoço. Levantou-o do chão com as forças de apenas um braço e perfurou-lhe o peito com a outra mão arrancando seu coração que bateu por duas vezes e parou. O vampiro atirou esse corpo ao lado se voltando ao último sujeito. Ele tremia e implorava por clemência, agachado ao lado da jovem. Seu corpo todo tremia e ele chorava com pavor descontrolado. A jovem ignorando o medo do sujeito o empurrou na direção de Julian, mas ele se espremia no canto tentando usá-la como escudo. Quando Julian se abaixou para agarrar o rapaz pela garganta e levantá-lo, viu em seu pescoço uma corrente e um crucifixo como pingente. Ele se afastou. Estendeu a mão para a jovem ajudando-a a se levantar. Voltou-se novamente para o último homem.
 - Você viverá, mas não se descuide, eu posso voltar quando você menos esperar.
Olhou novamente a jovem que estava ajeitando o vestido amarrotado.
 - Não vai fugir?- Perguntou estranhando ela não ter ficado apavorada com a carnificina que acabara de presenciar.
 - Eu devo? – Ela retrucou.
 - Normalmente as mulheres fogem e gritam apavoradas todas as vezes que eu faço isso.
 - Isso??! Eu fiz quase igual com o meu padrasto, só não arranquei o coração dele por que eu acho que ele não o tinha, mas a cabeça eu arranquei.
 - Você matou o seu padrasto?
 - Sim, estava cansada de ser estuprada e ver a minha própria mãe o defendê-lo, fugi de casa, estou sendo procurada pela policia e acabei aqui, suja e feliz.
Julian sorriu levemente.
 - Bom, tenho que ir, fique longe desses brutamontes, da próxima vez eu possa não estar passando por perto.
 - Ok, só mais uma pergunta, qual é o seu nome? Você tem um, não tem?
 - Sim, claro. Eu me chamo Julian Delacroix.
 - Muito prazer, meu nome é Walkiria, mas pode me chamar apenas de Kyra.
 - Ok, Kyra, tenho que ir mesmo. Cuida-se.
 Julian deu às costas à Kyra e ao sujeito que sobreviveu, este puxou de sua cintura um punhal e correu golpear o vampiro pelas costas. Kyra, por reflexo, atirou-se na frente de seu salvador, tendo seu peito perfurado na altura do coração. Julian tomado de uma fúria imensurável, ignorou o crucifixo no pescoço do rapaz o pegando pela garganta e levantando-o do chão. Sua mão é queimada pelo pingente, mas a dor é também ignorada. Com a outra mão ele penetrou o peito deste também e arrancou-lhe o coração, enfiando o órgão na boca do sujeito e batendo sua cabeça contra a parede n’um golpe único, esmagando seu crânio.
 Julian soltou o corpo sem vida virando-se imediatamente à Kyra que agonizava no chão. Ela estava morrendo, e não tinha nada que ele poderia fazer. Apenas cobriu o corpo da moça com seu sobretudo negro, levantando-se para ir embora... Caminhou lentamente em direção à saída da garagem, sua cabeça estava confusa.
 - Por que ela fez isso? Eu não morreria com aquele punhal. Por que maldições ela fez isso?... Ela está morrendo e, por me salvar, salvar de um perigo que eu não corria... Eu posso salvá-la, mas não posso fazer outro vampiro, não posso condená-la a vagar para sempre...
 Julian atormentado retornou ao corpo da agonizante, segurou a jovem pela nuca. olhou em seus olhos, eles pediam por ajuda. O rapaz deixando a emoção gritar mais alto que a razão, cravou seus caninos na jugular de Kyra, sugando-lhe todo seu sangue, todo o sangue que ainda restava em seu corpo... Ela desfaleceu.
 - Será que agi em tempo?- ele se questionou.
 Poucos segundos suportando uma culpa que martelava em sua cabeça e a jovem voltou à si tossindo e cuspindo golfadas de sangue.
Deu certo! Ela iria sobreviver, iria sobreviver por muito mais tempo do que ele realmente desejava.
 - Obrigado por me salvar. - ela diz enquanto limpava o sangue dos lábios.
 - Não poderia deixá-la morrer, você se arriscou por mim, mas foi estupidez de sua parte. Eu não morreria com aquele golpe.
 - Me desculpe, eu agi sem pensar.
 - Agora tenho mesmo que ir, logo o sol nascerá e te aconselho á procurar um lugar para se abrigar também.
 - Eu me viro, obrigado de novo por ter me salvo.
 - Não se preocupe, não será tão grata a isso amanhã à noite quando começar a sentir... Sede.
 Julian se afastou, dando uma última olhada para a jovem, com a certeza que de não era a última vez que ele a veria.

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